Uma batalha jurídica que soma 24 mil processos e tem potencial de beneficiar meio milhão de brasileiros que se aposentaram e voltaram ao batente pode estar próxima do fim. A expectativa é que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue ainda neste ano o caso que irá orientar os juízes nas decisões de processos sobre desaposentadoria em instâncias anteriores.
A discussão envolve o direito de requerer novo cálculo do benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por aposentados que seguem trabalhando e contribuindo para a Previdência. Mesmo que para avançar o caso ainda precise da indicação de um novo relator, devido à aposentadoria do ministro Carlos Ayres Britto, a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger, avalia que o STF decidirá o assunto em 2013, influenciado pela discussão do tema no Congresso.
Há duas semanas, um projeto de lei que cria a possibilidade de recálculo do benefício foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, onde tramitava em caráter terminativo – permitiria o envio do texto à Câmara. Mas como o governo argumenta que a desaposentadoria elevaria o déficit da Previdência, senadores aliados ao governo prometem recorrer para que a matéria ainda passe por outras duas comissões antes de seguir para o plenário.
Custo em duas décadas seria de R$ 50 bilhões
Segundo o governo, cerca de 500 mil aposentados poderiam ter a revisão do benefício. Se a tese da desaposentadoria sair vencedora, em 20 anos o custo seria de R$ 50 bilhões.
Para Jane Berwanger, o projeto de lei enfrentará dificuldades para avançar devido ao provável veto presidencial. A maior esperança é que a discussão no Legislativo apresse o STF.
– Isso chama a atenção. O Supremo pode se sensibilizar e voltar a colocar em pauta. É uma característica do atual presidente do STF (Joaquim Barbosa) colocar em votação matérias com ampla repercussão, principalmente pelo grande número de processos – avalia a presidente do IBDP, referindo-se a casos analisados neste ano, como o que considerou inconstitucional o pagamento parcelado de precatórios.
Com o papel de defender o INSS, a Advocacia-Geral da União também tem informações sobre a inclinação do STF em bater o martelo sobre a desaposentadoria ainda em 2013.
– O Supremo sinaliza que gostaria de julgar o quanto antes. Temos conversado com as assessorias dos ministros, e há a visão sobre a importância desse processo, que tem impacto econômico expressivo. Aguardamos ainda este ano uma posição. É uma questão de muita indagação no meio jurídico – diz Gustavo Augusto Freitas de Lima, diretor substituto do Departamento de Contenciosos da Procuradoria-Geral Federal.
Para Lima, a legislação atual proíbe a renúncia de uma aposentadoria para a contagem de novo tempo de contribuição. O ex-ministro da Previdência José Cechin diz que a aposentadoria é um ato “irrenunciável” e, dessa forma, os beneficiários não poderiam voltar atrás e pedir recálculo.
Cechin entende que, de qualquer forma, a origem do problema está na possibilidade de o brasileiro se aposentar em idade precoce, ao redor de 50 anos. Devido aos descontos que têm no benefício por causa do fator previdenciário, muitos optam por continuar na ativa e acumular ganhos.
– Esse problema poderia ser resolvido inibindo a aposentadoria de pessoas jovens que permanecem no mercado de trabalho. Nos Estados Unidos, as pessoas se aposentam com 65 anos e, se quiserem continuar trabalhando, a cada dois dólares que recebem de salário, perdem um na aposentadoria – exemplifica Cechin.
Com ação judicial, motorista cobra retorno de contribuição
Para o aposentado Aldo Agne, 58 anos, o reconhecimento do direito de recalcular o benefício que recebe do INSS seria a possibilidade de não precisar mais fazer bicos. Morador de Cachoeira do Sul, Agne ganhava a vida como motorista de ônibus, ofício em que continuou mesmo após requerer a aposentadoria.
Depois de trabalhar e contribuir com a Previdência por mais 11 anos além da aposentadoria oficial, o motorista agora busca a revisão dos valores que recebe por meio de uma ação na Justiça:
– Acho que é justo porque a gente paga a vida toda, segue contribuindo e tem o desconto que não tem devolução. Caso contrário, é um dinheiro perdido.
Mesmo tendo abandonado o emprego fixo, Agne ainda precisa melhorar a renda familiar realizando serviços esporádicos como motorista de excursões. O aumento no benefício, lembra o profissional, ajudaria a enfrentar a elevação crescente do custo de vida.
– Tudo é caro e está subindo. As contas vão apertando – justifica.
Tire suas dúvidas
O que é desaposentadoria?
É a possibilidade de o segurado que segue trabalhando ou retorna ao mercado após se aposentar requerer novo cálculo para aumentar o benefício. O novo valor se dá pela incorporação no cálculo do período trabalhado após a aposentadoria. Hoje, a pessoa segue contribuindo com o INSS, mas não recebe o valor equivalente.
Como é requerida?
A desaposentadoria não está prevista em lei. Por isso, não basta pedir revisão ao INSS. A troca do benefício antigo por um novo só pode ser buscada na Justiça.
Quem pede?
A maioria de quem busca essa opção é de segurados com aposentadoria proporcional (homens com menos de 35 anos de contribuição e mulheres com menos de 30) ou que tiveram redução no valor em decorrência da aplicação do fator previdenciário. Ao pedir a revisão, os beneficiários podem acumular maior tempo de contribuição e obter aumento do benefício.
A revisão é sempre vantajosa?
Nem sempre. É fundamental calcular o valor do novo benefício para comparar com o atual. Por exemplo, é desvantajosa para quem contribuía sobre o teto até se aposentar e passou a contribuir sobre o mínimo.
O que podem significar as decisões do Congresso e do STF?
O governo pode impor regras como a exigência de tempo mínimo de contribuição para pedir desaposentadoria, por exemplo. Um ponto discutido no Judiciário é a possibilidade de quem buscou a desaposentadoria ter de devolver benefícios recebidos. Se o recálculo não passar no STF, pode haver redução no valor do benefício de quem obteve revisão por liminar. Nos casos julgados sem possibilidade de recurso, não haveria essa ameaça.
Para quem está próximo de parar, vale a pena se aposentar agora?
Segue valendo a pena, até porque, em regra, as pessoas demorariam muito mais tempo para ter direito à aposentadoria integral. A exceção é para trabalhadores que, após se aposentar, são obrigados a deixar o emprego.
Quem teria direito deve entrar agora com ação ou esperar o desfecho do embate em Brasília?
A orientação de Pedro Dornelles, advogado da Federação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas do Estado (Fetapergs), é aguardar a decisão do STF, pois existem sentenças diferentes sobre a desaposentadoria. Em alguns casos, juízes entendem que há o direito, mas os aposentados teriam de devolver o valor dos benefícios já recebidos. O STF deve decidir tanto sobre a desaposentadoria quanto à obrigatoriedade da devolução. Em relação ao Congresso, a expectativa é que o final da discussão ainda demore.
Quem decide
No Congresso
A aprovação na Comissão de Assuntos Sociais do Senado deveria permitir o envio do projeto à Câmara. Mas uma manobra do governo deve fazer com que o texto tenha de passar por duas comissões e ir a plenário no Senado.
No STF
Com a aposentadoria de Carlos Ayres Britto, o órgão precisa escolher um novo relator para o julgamento começar.
Fonte: Jornal Zero Hora
Instituto de Previdência de Santa Catarina
Assessoria de Comunicação